Custos fiscais da valorização do real – Carlos Thadeu de Freitas

A atual política fiscal vigente tem como foco principal a obtenção de superávits primários elevados para a redução da dívida líquida do setor público em relação ao PIB, o indicador mais usado para medir o endividamento do governo.

A atual política fiscal vigente tem como foco principal a obtenção de superávits primários elevados para a redução da dívida líquida do setor público em relação ao PIB, o indicador mais usado para medir o endividamento do governo. De fato, desde 2003 obtêm-se êxito na diminuição gradual da DLSP/PIB, embora a trajetória de queda tenha se desacelerado recentemente. 


Mantendo os esforços para redução do déficit nominal através da manutenção de saldos primários elevados, fundamentados em elevações sucessivas da carga tributária, medidas adicionais foram tomadas a partir de 2005 para reduzir a vulnerabilidade da dívida pública. Condições econômicas muito favoráveis, com liquidez externa abundante, baixa percepção de risco e perspectivas de estabilidade de preços e câmbio, permitiram promover algumas mudanças significativas na administração da dívida. Em primeiro lugar, sua composição foi alterada, sendo a exposição cambial revertida, em termos líquidos, em posição credora, além da redução dos títulos indexados à Selic e aumento da parcela dos prefixados. Outra melhora foi em relação aos prazos, com redução da dívida de curto prazo e sucesso na colocação de títulos de longo prazo. 


Contudo, essa reestruturação da dívida pública teve custos fiscais. Apesar da elevação do saldo primário, a relação dívida líquida/ PIB caiu pouco. O último dado para a DLSP/ PIB, para setembro de 2007, é de 43,5%, superior aos 43% do mês de agosto e ligeiramente inferior aos 44,9% de dezembro de 2006 e 46,5% em dezembro de 2005. As causas principais dessa desaceleração são, em primeiro lugar, justamente o custo da troca da dívida externa pela interna, que impacta na dívida através de juros e de ajustes patrimoniais, e, em segundo lugar, as operações do Banco Central no mercado de derivativos (swaps reversos). 


Ao trocar obrigações externas por títulos internos, ocorreu um aumento dos juros nominais. Os títulos da dívida interna apresentam taxa de rentabilidade maior, principalmente tendo em vista a concomitante valorização do câmbio, implicando na troca de uma dívida “barata” por outra mais “cara”. Quando esse movimento de troca se intensificou, em 2004 e 2005, os juros nominais cresceram substancialmente, mesmo tendo a Selic, o principal indexador da dívida, entrado em trajetória de queda. 


No acumulado do ano até setembro, os juros nominais caíram de 7,16% do PIB em 2006 para 6,41% em 2007, e o déficit nominal, de 2,42% para 1,51%. Contudo, o aumento da dívida mobiliária interna como contrapartida da redução da externa eleva a resistência à queda dos juros nominais, sobretudo com a mudança de seu perfil. O aumento do peso dos títulos prefixados e a menor importância dos indexados à taxa Selic fazem com que as quedas da taxa de juros promovidas pelo Banco Central tenham menos efeito sobre o custo da dívida. 


A segunda implicação da troca consiste na diminuição da grandeza do efeito câmbio sobre a dívida e sua recente reversão. A valorização cambial a partir de 2003 provocou um efeito patrimonial direto de redução do estoque da dívida externa. A partir da diminuição da participação do câmbio na dívida pública, os impactos da queda do dólar foram se reduzindo. Hoje, a posição externa das contas públicas é credora, ou seja, uma valorização cambial leva a ajustes de aumento da dívida. Apesar das turbulências recentes, o real apresenta alta no acumulado ao ano e o ajuste cambial teve efeito de acréscimo sobre a dívida no período. 


A atuação do Banco Central no mercado cambial tem implicado em custos fiscais adicionais. A posição credora da dívida interna atual, através das operações com swaps cambiais reversos, causa aumento dos juros nominais devido ao diferencial entre juros e câmbio desfavorável ao emissor, que são apropriados mensalmente. Além disso, as operações cambiais do Banco Central levam ao aumento da dívida, pois, ao comprar dólares para o acúmulo de divisas estrangeiras, o Banco Central injeta no mercado moeda que tem de ser esterilizada com emissão de títulos com rendimentos ainda elevados. Mesmo com a queda do custo da dívida, as taxas de juros ainda podem ser consideradas elevadas, especialmente se comparadas ao baixo rendimento das reservas, descontada a perda em seu valor denominado em reais, devido à valorização cambial. 


Os resultados de agosto evidenciaram esse custo, pois a depreciação do real produziu resultados positivos. Naquele mês, a posição credora do governo em dólar fez com que a parcela da dívida indexada ao câmbio apresentasse impacto de redução nos juros nominais. Adicionalmente, as operações com swaps, mesmo na ausência de contratos negociados, apresentaram resultado positivo. Como o dólar retornou à sua trajetória de queda em setembro, as operações com swap voltaram a apresentar prejuízo e o impacto do câmbio nos juros nominais foi negativo. 


Assim, apesar da melhora do perfil da dívida pública e da diminuição da vulnerabilidade externa da economia, tornando o país menos suscetível a uma eventual crise externa, o custo dessa estratégia tem sido intensificado pela valorização cambial. Desta forma, o esforço fiscal, representado por um superávit primário da ordem de 4,9% do PIB no acumulado em setembro, tem sido afetado pela atual superexposição credora em moeda estrangeira, reduzindo o ritmo de queda da trajetória DLSP/PIB. Tendo em conta a tendência de estabilidade do dólar, a trajetória da dívida líquida em 2008 estará mais condicionada ao saldo primário, ao crescimento esperado do PIB e ao comportamento da taxa de juros Selic. 


Com a continuidade da valorização do real, as operações do Banco Central no mercado cambial contribuem para aumentar a conta dos juros pagos sobre a dívida. Assim, para termos uma evolução da DLSP/PIB menos vulnerável à apreciação contínua do real, revigorada pela queda da taxa de juros americana e pausa nos cortes da SELIC, é preciso repensar as operações da autoridade monetária no mercado de derivativos.