Imposto sindical e ação coletiva

O imposto sindical volta a ser discutido, com a medida provisória do governo a respeito e as emendas a que foi submetida por parlamentares do PPS e PSDB no Congresso.

O imposto sindical volta a ser discutido, com a medida provisória do governo a respeito e as emendas a que foi submetida por parlamentares do PPS e PSDB no Congresso. O foco da discussão é a manutenção ou não do caráter obrigatório do pagamento do imposto (embora tenham surgido tecnicismos jurídicos equívocos quanto à obrigatoriedade do imposto em si ou do recolhimento pelas próprias empresas), e o tom das matérias sobre o assunto tende a ser insistentemente negativo: o imposto é visto como algo sem dúvida impróprio e abusivo, uma sobrevivência infeliz do autoritarismo e das manipulações da “era Vargas”, e apontam-se com facilidade as contradições de sindicalistas, incluindo Lula, e de setores da esquerda em geral, que se opunham ao imposto compulsório e agora se mobilizam para mantê-lo.


Não é meu objetivo, aqui, tomar posição, em termos normativos, pela obrigatoriedade ou não do pagamento do imposto. Mas me parece de interesse considerar analiticamente alguns aspectos do problema. A discussão pode ser aproximada de questões suscitadas anteriormente, durante o governo FHC, em torno das supostas imposições “modernas” (com a globalização e a nova dinâmica econômica) quanto à forma geral de organização dos sindicatos. Podem ser lembradas, por exemplo, manifestações de dois ministros do Trabalho de Fernando Henrique, Paulo Paiva e Edward Amadeo, o primeiro a declarar ser preciso “acabar com os sindicatos por base e estabelecer sindicatos por empresa” e o segundo a bater na tecla da necessidade de aumentar a competição entre os sindicatos para que os trabalhadores possam optar entre vários deles de acordo com a oferta de benefícios como creches, por exemplo.


 “Mercado sindical” ou organização trabalhista? 


A arrogância governamental contida na recomendação de Paulo Paiva, com o governo a pretender ditar como devem organizar-se os trabalhadores, acaba por desdobrar-se no ponto crucial que quero ressaltar. Pois, em confronto com as manipulações varguistas, a recomendação envolve a desvantagem, do ponto de vista do movimento trabalhista, de que adotá-la resultaria no contra-senso de abrir mão do recurso correspondente à organização em maior escala (que não é incompatível com a eventual decisão de agir descentralizadamente). Mas a idéia de Amadeo – retomada explicitamente nas matérias jornalísticas de agora – de uma espécie de “mercado sindical”, em que produtos como creches e assemelhados atraem os trabalhadores transformados em clientes, vai na mesma direção, chocando-se frontalmente com algo que há muito vem sendo objeto de análises de decisiva importância nas ciências sociais da atualidade. Refiro-me a que o objetivo do movimento trabalhista e sindical é, na verdade, a própria organização como tal, em que seja possível aos trabalhadores como categoria buscar objetivos variados – e os trabalhadores postos como clientes dispersos num mercado sindical são a negação direta desse objetivo.


O que as análises mencionadas têm salientado, com destaque para um volume clássico do economista Mancur Olson sobre “A Lógica da Ação Coletiva”, é que alcançar as condições necessárias à ação coletiva organizada e eficiente é muito mais difícil para categorias numerosas, que constituem, nos termos de Olson, grupos “latentes” antes que efetivos. A dificuldade teria a ver sobretudo com o fato de que, se os ganhos da eventual ação organizada beneficiam necessariamente a todos os membros da categoria, eles surgem como um “bem público” do ponto de vista da categoria como tal, o que estimularia por parte de cada um a disposição de tomar “carona” nos esforços dos outros, a qual ocorreria com mais força diante do complicado problema de coordenação defrontado pelos grupos de grandes dimensões. Nessa óptica, benefícios como creches e outros serviços que prestem os sindicatos não aparecem senão como estímulos paralelos (“incentivos seletivos”) visando a auxiliar o esforço organizacional, e não como os fins em si mesmo a serem buscados.


Por outro lado, é bem claro, e é igualmente objeto de elaboradas análises, que a situação dos empresários como categoria é mais favorável do que a dos trabalhadores: eles não só são menos numerosos, mas também, entre outras coisas, já têm nas próprias empresas um recurso possivelmente importante para o esforço de organização coletiva – mesmo se pomos de lado o papel de “capitalista ideal” que certas análises marxistas atribuem ao próprio Estado, que se supõe em geral, com boas razões, particularmente atento aos interesses coletivos empresariais. Aliás, não chega a ser incongruente com essa perspectiva o fato de que as emendas propostas agora tenham inicialmente “esquecido” as contribuições repassadas a entidades patronais.


Quaisquer que sejam as posições que caberia, ao cabo, adotar com respeito a diversos aspectos do problema agora discutido, a perspectiva trazida por considerações como essas permite ver como uma espécie de “bom-mocismo” pouco realista a oposição ao imposto obrigatório antes manifestada, em nome da autonomia, por setores sindicais. De toda maneira, cabe lembrar que o fortalecimento e a centralização da estrutura sindical se deu em íntima associação com o Estado, no chamado “neocorporativismo”, em várias das experiências mais bem sucedidas de administração democrática e socialmente sensível do capitalismo. E que, não obstante as provas severas a que tais experiências foram submetidas com a globalização e as novidades econômico-tecnológicas, os resultados de tais provas estão longe de estabelecer a superioridade das alternativas que o mundo de hoje oferece. Afinal, tem sido possível falar de “novos pactos sociais” e até mesmo de “corporativismo competitivo” a propósito de iniciativas que enfrentam com êxito os novos desafios.