Fundo sai após reservas de US$ 190 bi

O Estado de São Paulo  Editoria: Economia Página: B-9


O ministro da Fazenda, Guido Mantega, deve esperar que as reservas internacionais cheguem a US$ 190 bilhões para lançar o Fundo Soberano Internacional, que vai apoiar investimentos de empresas brasileiras no exterior. É que, nesse nível, as reservas serão suficientes para pagar toda a dívida externa, pública e privada. Com isso, eliminaria a desconfiança que a criação do fundo provocaria sobre a capacidade de o Brasil honrar seus compromissos numa eventual crise de liquidez internacional.

O Estado de São Paulo  Editoria: Economia Página: B-9


O ministro da Fazenda, Guido Mantega, deve esperar que as reservas internacionais cheguem a US$ 190 bilhões para lançar o Fundo Soberano Internacional, que vai apoiar investimentos de empresas brasileiras no exterior. É que, nesse nível, as reservas serão suficientes para pagar toda a dívida externa, pública e privada. Com isso, eliminaria a desconfiança que a criação do fundo provocaria sobre a capacidade de o Brasil honrar seus compromissos numa eventual crise de liquidez internacional.


Apesar das críticas de economistas de peso de que o fundo pode aumentar a dívida brasileira e retardar a concessão do grau de investimento ao Brasil, Mantega está convencido de que o novo instrumento – e a continuação da estratégia do Banco Central de aumentar as reservas – ajudará a conter uma queda mais brusca do dólar em relação ao real. E, sobretudo, suavizar uma volatilidade maior da taxa de câmbio que possa comprometer o parque industrial brasileiro.


O governo deve utilizar inicialmente recursos que já tem em caixa para comprar no mercado interno os dólares para o fundo soberano. O caixa foi reforçado porque, desde 2003, o Tesouro Nacional tem vendido uma quantidade de títulos maior do que o volume de papéis que vencem no período.


Essa emissão além do necessário para rolar a dívida reforçou o “colchão de liquidez” – uma reserva do Tesouro para honrar o pagamento de títulos na eventualidade de suspender leilões de venda de novos papéis. O colchão é hoje superior a R$ 100 bilhões, nível considerado seguro. O Tesouro também poderá fazer novas emissões líquidas de títulos (emissões maiores do que os resgates) para obter recursos para comprar os dólares.


Mantega já manifestou a intenção de que o Fundo tenha entre US$ 10 bilhões e US$ 15 bilhões. As diretrizes para a compra de dólares deverão ser definidas entre o Tesouro e o BC.


Com atuação do Tesouro no mercado, o BC terá menor necessidade de comprar dólares para conter a desvalorização da moeda americana. Por isso, a equipe econômica avalia que, do ponto de vista do endividamento público, o impacto das compras do Tesouro será neutro em relação ao que já existe, com as aquisições do BC.


Para comprar os dólares no mercado interno, o BC acumula um passivo. Ele paga os dólares com a emissão de reais. Esses reais aumentam a base monetária e o BC precisa enxugar esse excesso de moeda com a venda de títulos do Tesouro que estão na sua carteira. Nessas operações, o BC assume um passivo atrelado aos juros pagos pelo Tesouro nos títulos.


Para comprar os dólares do fundo, o Tesouro usará reais obtidos com a emissão líquida de títulos para comprar dólares. “Fiscalmente dá no mesmo”, disse uma fonte do Ministério da Fazenda. Inicialmente, a idéia de Mantega era de formar o fundo com os dólares das reservas. Mas o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, resistiu à proposta, observando que causaria ruídos no mercado. “Meirelles quis deixar claro que reserva é reserva”, ressaltou outra fonte.


Segundo essa fonte, o ministro da Fazenda quer continuar com a política de intervenção no câmbio porque avalia que deixar o dólar cair bruscamente teria impacto nocivo para economia brasileira – não só para os exportadores, que perdem competitividade, mas também para empresas em geral. “É isso ou deixar o câmbio cair para R$ 1,50”, ressalta a fonte, lembrando que, desde que assumiu o cargo, Mantega tem deixado clara sua quase obsessão em conter a taxa de câmbio.


Além de uma desvalorização maior da moeda americana, o governo também teme uma alta brusca com a expectativa de reversão, a médio prazo, dos superávits da balança comercial e de transações correntes do balanço de pagamentos – cenário que está sendo considerado no Ministério da Fazenda. Nesse caso, empresas com dívidas em dólar seriam prejudicadas. O problema ocorre, por exemplo, quando o investidor se financia em dólares a R$ 1,80, em seguida a cotação cai para R$ 1,50 e depois dispara para R$ 2,00.

 


Para analistas, idéia põe em risco o equilíbrio fiscal


A decisão do governo de criar um Fundo Soberano Internacional reacendeu a polêmica em torno do aumento do endividamento público provocado pelo aumento das reservas internacionais. Para muitos economistas, as reservas brasileiras já teriam atingindo um nível considerado seguro para o Brasil enfrentar uma crise externa, e reforçá-la ainda mais só traria prejuízo para a dívida pública.


A formação do Fundo e a continuação dessa política de acúmulo de reservas, para os críticos, só agravaria a situação fiscal e retardaria a concessão do grau de investimento pelas agências de classificação risco.


Para o gerente de política monetária do Banco Itaú, Joel Bogdanski, esse não é o momento de o Brasil criar um Fundo Soberano porque o País ainda não tem superávits estruturais em conta corrente. Para ele, essa política é inadequada porque, de um lado, aumenta a dívida e, de outro, impede o BC de cortar os juros. “Essa política lança dúvidas sobre até que ponto o governo está comprometido com a responsabilidade fiscal.”


Especialista em contas públicas, o consultor Amir Khair destaca que o problema do País não é externo ou cambial, mas o aumento da dívida interna. Para ele, essa política tem impacto fiscal que poderá atrasar a concessão do grau de investimento. Segundo ele, o melhor seria deixar o câmbio flutuar livremente. “O Mantega está perdendo uma grande oportunidade de forçar o BC a reduzir os juros mais rapidamente”, disse.


Para o ex-diretor do BC Carlos Thadeu de Freitas, o Fundo deveria ser formado com os dólares que já estão nas reservas, que, na sua avaliação, já estão em nível suficientemente confortável. Segundo ele, é com os dólares das reservas depositados em bancos no exterior que o governo poderia comprar papéis lançados no exterior pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), numa operação particular chamada de “private placement”.


Na sua avaliação, o BNDES ganharia com essa operação, pois poderia obter uma taxa mais barata nesse momento de maior dificuldade no mercado internacional e o BC teria uma rentabilidade melhor para os dólares das reservas. Ex-diretor da Petrobrás, Freitas disse que operação muito parecida já foi feita com as reservas, em 1991, quando a estatal ficou sem financiamento no exterior para pagar o petróleo.


Um artigo do ex-presidente do BC Affonso Celso Pastore, publicado no jornal Valor Econômico, trouxe um alerta contundente para o risco fiscal dessa estratégia e reforçou os argumentos dos críticos. No artigo, Pastore diz que a proposta tem objetivos obscuros e observa que fundos desse tipo requerem uma economia com excesso de poupança (interna e externa) e superávits persistentes nas contas correntes.